Um poeta das artes ou Bule-Bule do Sertão
Em um sábado de sol na cidade de Camaçari-BA, por volta do meio-dia chego à casa de uma figura tida como mais importante no cenário cultural baiano, Antonio Ribeiro da Conceição popularmente conhecido como Bule-Bule.

O contato não foi fácil, sempre que tentava uma comunicação, ele estava viajando a trabalho. Ora estava na Alemanha visitando o museu que leva o seu nome, ora estava fazendo show pelo Brasil. Depois de muito insistir, consegui um horário em sua agenda e marquei uma entrevista.

A casa de Bule-Bule fica situada em uma rua estreita e sem saída do bairro Piassaveira. No portão da entrada, avistei um cachorro poodle de porte mediano deitado no canto da porta principal.

Toquei a campainha, Bule-Bule atendeu.
Com aproximadamente 1,75 de altura, negro, barba grande, branca e aparada de uma forma que a deixava pontuda.

Vestido com camiseta-propaganda, uma calça preta e não utilizando o chapéu de sertanejo (característico de Bule-Bule) a princípio nem o reconheci. À medida que fui me aproximando, confirmei realmente que era ele e disse: - Olá, Bule Bule, sou Rachel. Ele abriu o portão e enquanto dizia: “nossa, o senhor sem chapéu é outra pessoa, se o visse na rua nem o reconheceria”. Ele respondeu: “é, as pessoas sempre me vêem tanto com chapéu que parece que ele já faz parte do meu corpo”.


Depois dessa troca inicial de palavras, fui adentrando a casa e me sentei na sala, que devia tem uns dois metros quadrados, só cabia mesmo a mesa de quatro cadeiras e uma pequena estante com livros de diversos gêneros: didáticos e acadêmicos.

Para começar fui perguntando logo o porquê do nome Bule-Bule. Ele disse que, quando criança, já trabalhava como adulto no único lugar que tinha para trabalhar no município de Antônio Cardoso, sua cidade natal, situada no interior da Bahia, esse lugar era a padaria.

Depois de alguns meses de trabalho, os funcionários falaram com o dono que iam fazer greve para ter aumento de salário; na ocasião, o dono da padaria fez um teste e, quem passasse, teria um aumento de salário. Narrando com um largo sorriso no rosto, Bule-Bule contou que conseguiu carregar toda a massa do pão pára o tabuleiro sem quebrar.

Todos começaram a rir do adversário de Antônio, que era mais velho que ele e não conseguiu carregar. Depois disso, o amigo perdedor falou: “ele é pequeno mas é velho, que nem bule-bule. Foi daí que surgiu o apelido. Bule-Bule é o casulo com a lagarta em fase de transformação para borboleta.”

Cada pergunta que fazia, Bule-Bule quase sempre respondia em versos ou em cordéis, perguntei sobre o início de sua carreira, já que ele é um profissional que atua em vários campos da arte, e para minha surpresa ele não respondeu cantando, mas como se estivesse contando uma história: “antes de tudo eu fui sambador, e em Novembro de 1967 andando pela feira de Feira de Santana, interior da Bahia, vi um cantador e fiquei observando como ele fazia, e ai ele me chamou para cantar com ele”.

Em 1972 Bule-Bule tinha um programa na rádio Sociedade de Feira de Santana, e lá gravou um disco com Zé Pedreira, a parceria durou 12 anos. Depois disso o poeta do sertão começou a mesclar sua vida com o repente: “está na mesma pessoa o Bule-Bule repentista, o Bule-Bule cordelista, o Bule-Bule sambador, o Bule-Bule causeteiro, a minha profissão primeira, o Bule-Bule lavrador, eu não me esqueci de quando trabalhei na roça, o Bule-Bule mestre de obra... Estão todos esses Bule-Bules na figura de Antônio Ribeiro da Conceição.

"Eu costumo dizer que Bule-Bule fica aborrecido porque ele é o cara que trabalha e Antônio Ribeiro é o que aparece pra receber o dinheiro.”Rindo ele conclui: “mas eu vivo feliz tanto quando Antônio Ribeiro, quando Bule-Bule.”

Fui notando que cada resposta era em forma de uma estrofe e um toque na viola. Num clima de descontração da conversa perguntei sobre o museu que leva seu nome na Alemanha, ele interrompeu dizendo “quando fui para Alemanha conheci um editor que trabalhava na Casa de Criação de Olinda, Josefh Macário, ele assistiu minha palestra na Universidade de Hamburgo, e se interessou para criar o Museu do Samba de Roda e da Literatura de Cordel Mestre Bule-Bule. Sinto orgulho de ser reconhecido pelo meu trabalho”.

Passados mais de duas horas de entrevista, Bule-Bule concluiu dizendo “eu não estou aqui para competir com ninguém, mas trabalho com o objetivo de dar prazer a quem me contrata”. A frase foi à última dita na entrevista que foi encerrada, pois o repentista e difusor da cultura popular precisava se preparar para uma viagem na qual iria receber mais um prêmio.


Rachel Barretto
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